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De bicicleta pela rota da cerveja em Blumenau
Já no fim do segundo dia de pedaladas pela região de Blumenau, em Santa Catarina, Dudu, o guia, avisou que teríamos ainda uma subida íngreme de um quilômetro para encarar. “Vou na van”, disse eu, segura da minha decisão (e da minha falta de preparo físico). Sabendo que ainda haveria mais no dia seguinte, achei que aquele seria um esforço desnecessário para as minhas pernas destreinadas. Meu roteiro pelo Vale da Cerveja era composto por três dias de pedal e a confortável certeza de ter um carro de apoio quando o fôlego não ajudasse.
Criado pela empresa catarinense Caminhos do Sertão, o roteiro tinha como objetivo diário chegar a uma cervejaria artesanal em cidades no entorno de Blumenau (sim, aquela da Oktoberfest), no chamado Vale da Cerveja. Oficialmente, são 11 as cervejarias associadas, de cidades como Blumenau, Apiúna, Brusque, Gaspar, Pomerode, Ibirama, Indaial, Penha e Timbó. Mas o número de cervejarias de pequeno e médio porte na região é bem maior.
Usando Blumenau como base, a rotina era ir de van até o ponto de partida, pegar as bicicletas que nos esperavam e seguir majoritariamente por estradas de terra, acompanhando o curso do Rio Itajaí e seus afluentes – que abastecem os tonéis de produção cervejeira que saciaria nossa sede ao fim do dia.
Desafios
No primeiro dia, foram 46 quilômetros de pedalada – não para mim, que parei na metade do percurso, na hora do almoço. O trecho de subidas até a margem do riacho onde o almoço nos esperava havia consumido todo meu fôlego. Assim, cheguei no conforto do ar condicionado à cervejaria DasBier, em Gaspar.
Mas no segundo dia, na hora em que a van de apoio parou ao nosso lado e Dudu me perguntou: “Quer subir na van?”, o grupo (éramos em 12 pessoas), me incentivou a continuar. Composto de casais e amigos acima dos 40 anos, eles estavam acostumados a viajar juntos, mas me conheciam há apenas 24 horas. “Vamos, você consegue”, diziam uns. “Se precisar, desce e empurra, a gente vai fazer isso também”, diziam outros. Me convenceram.
Não que eu tenha aguentado pedalar por todo o trecho íngreme – desci da bike e empurrei assim que minhas coxas começaram a pedir clemência. Mas ali estava eu, feliz, superando meus limites, recebendo apoio de recém-conhecidos – alguns, àquela altura, também já empurravam suas bikes.
Saber que haveria um carro de apoio foi decisivo para que eu encarasse o roteiro. Não queria ser um estorvo para o grupo e, muito menos, fazer da viagem uma experiência negativa, sofrida. “Fique tranquila, a van estará nos acompanhando o caminho inteiro”, me tranquilizou Fernando Angeoletto, um dos sócios da Caminhos do Sertão.
E assim foi.
Como ir ao Vale da Cerveja
O pacote: da Caminhos do Sertão custa a partir de R$ 1.390por pessoa em quarto duplo. Inclui duas noites de hospedagem e três dias de passeio, traslados, carro de apoio, lanches de trilha, guias, seguro e manutenção das bikes. É possível optar por alugar mountain bikes com a própria empresa ou trazer a sua.
O voo: o aeroporto mais próximo de Blumenau é Navegantes, a cerca de uma hora de distância. Há ônibus executivos a partir do aeroporto, a R$ 50 por pessoa. Saindo de São Paulo, o trecho aéreo ida e volta custa a partir de R$ 231,39 na Latam; R$ 275,92 na Gol e R$ 283,02 na Avianca. De Viracopos, a partir de R$ 349,06 na Azul. Fique atento às novas regras de bagagem.
Foram 50 minutos de carro do centro de Blumenau, onde estávamos hospedados, até o ponto de encontro com o resto do grupo, em uma estrada de terra em Ilhota. Nossas bicicletas nos esperavam prontinhas: antes de viagem, Fernando havia perguntado a altura dos participantes para deixar os bancos pré-ajustados. Nenhum trabalho, a não ser encher as garrafinhas d’água para o percurso.
Embora a previsão do tempo anunciasse chuva (no dia anterior, havia chovido muito e o céu continuava nublado), nenhuma gota caiu durante o trajeto. O clima estava agradável e percebi que tinha tomado uma boa decisão seguindo o conselho dos meus colegas mais experientes, que sugeriram bermuda em vez de legging. Fazia frio nas primeiras horas da manhã, mas na hora em que pegamos as bicicletas já começava a esquentar (fora o calor extra, causado pelo exercício).
O primeiro trecho foi mais de adaptação do que de belas paisagens. Era minha primeira vez em uma viagem de mountain bike, com longos trechos em estrada de terra – em minhas viagens, sempre procuro pedalar, mas em área urbana.
Dudu era o guia que ia à frente do grupo e Bruno, atrás. A van, pilotada pelo simpático Otacílio, estava sempre próxima, com galões de água e lanchinhos para aqueles momentos em que é preciso recuperar as energias.
Logo deu para perceber que aquele grupo, com pessoas entre 40 e 60 anos, tinha ótimo preparo físico. Fiquei para trás – Bruno ia pertinho. Mas não me senti pressionada: estava tranquila, pedalando no meu ritmo.
Dava para ouvir o Rio Itajaí-Açu serpenteando ao nosso lado, ou mesmo vê-lo em alguns trechos. Do lado oposto, casinhas típicas, de madeira, com jardim bem cuidado. Alguns moradores acenavam; outros olhavam desconfiados. A maioria sorria.
Ficar para trás implica não participar do bate-papo ciclístico, mas permite ouvir os sons ao redor. Pássaros, cães, uma música no rádio, a vida que segue, tranquila. Em meio a tudo isso, chegamos à parada para o lanche (ufa!), em frente à igreja de São Brás, ainda em Ilhota.
Castanhas, frutas (especialmente bananas, que ajudam a prevenir cãibras), barras de cereais, bate-papo e recuperação de fôlego incluídos, logo seguimos juntos, até cada um encontrar seu ritmo de pedalada novamente.
Para o alto, e avante
E assim continuamos até a hora do almoço, quando o terreno, até então majoritariamente plano, começou a apresentar subidas mais exigentes. Até que comecei bem, considerando que não pedalava com afinco há vários meses. Mas quando senti os músculos queimarem, desci da bicicleta para empurrar. Dava para ver uma descida e uma subidinha que não parecia lá grande coisa. Mas a verdade é que a subidinha era uma subidona, e depois dela vinha outra. E outra.
Decidi não ir na van porque o local do almoço estava próximo, e tinha esperanças que daquele ponto para frente o terreno ficasse plano novamente. Mas quando cheguei ao local, vi que era só o começo de uma sequência de morros, que se estenderiam por quase 10 quilômetros. Troquei a estrada pelo ar condicionado.
Depois, para fotografar, passei para o carro de apoio de Fernando, o que permitiu conhecer Ari Krauser, de 84 anos. Já estávamos em Gaspar, e fiquei encantada com sua casinha vermelha, bem cuidada, parecendo um cartão-postal. Puxei conversa: “Que linda sua casa”, disse. “Vamos entrar para tomar um café”, convidou ele.
Descendente de alemães, como boa parte dos moradores da região, ele contou que sempre viveu naquela casa, construída por seu pai quando ele tinha 6 anos. “Vivo aqui desde menino.” Depois da conversa, nos despedimos. Faltava pouco para chegarmos à DasBier, que fica ao lado de um pesqueiro – ambos propriedade da mesma família.
Hora de degustar
A cervejaria tem clima de barzinho descolado, com mesas do lado de fora e petiscos tradicionais, como a linguiça alemã. Esqueça aquela visita para conhecer a fábrica e um monte de nomes técnicos. A pedida é curtir o ambiente, relaxar. Ao todo, são 12 tipos de chope e 10 cervejas. Se tiver na dúvida, peça a opção degustação, com oito copinhos (R$ 12). Fica o alerta: chope de vinho é um hit por lá, e ele também vem na degustação. A pilsen não agradou; fez mais sucesso a weizen e a pale ale (R$ 8; 330 ml). Site: dasbier.com.br.
Dia 2: de Pomerode a Itoupava
Na manhã do segundo dia, o grupo se dividiu. Parte das mulheres aproveitou para fazer compras – os outlets de artigos para casa e malharia (como Karsten e Hering) estão entre os mais cobiçados. Enquanto isso, o resto do grupo foi “estudar” na Escola Superior de Cerveja e Malte. Isso mesmo: há um curso superior que forma mestres cervejeiros em Blumenau.
Ao contrário do que você pode estar imaginando, não é só uma desculpa para beber cerveja – embora a gelada seja uma espécie de material escolar. Os cursos são sérios: o de mestre cervejeiro, por exemplo, é técnico, e dura 10 meses.
Nosso grupo estava lá para entender as diferenças entre as quatro escolas cervejeiras: belga, alemã, inglesa e americana. A aula é profissional e tem mesmo cara de aula, com apresentação em PowerPoint e perguntas para a classe – mas a sala tem cara de pub.
Uma parede de canecas variadas, um bar com copos diferentes para cada tipo de cerveja (sim, aprendemos isso na aula). Nas mesas, uma ficha para anotar as diferentes características: teor alcoólico, aroma, cor, transparência, sabor… Provamos quatro tipos: Blumenau Capivara, uma indian pale ale; Bierland Weizen, de estilo german weizen; Container stout, escura e densa; e a DasBier Saison, de estilo belga.
Alunos aplicados, terminamos a prova prática (ou seja, a degustação) e seguimos de van até Pomerode, conhecida pela colonização alemã. Ainda levaríamos mais de uma hora para começar a trilha, com direito a lanche e aquecimento no meio. Nenhum risco de pedalar alcoolizado.
Tem espaço na van
Checando a altimetria, vi que o primeiro trecho era o mais puxado, com seis quilômetros de subida. Decidi ir na van até elas acabarem. Antes, havia um trecho curto, do centro de Pomerode ao início da trilha, em meio à Mata Atlântica, onde foi servido o almoço – pães, frios, bolos, frutas, sucos, picles.
A mesa foi montada em frente à casa de Arno Kretz, de 70 anos, que reúne antiguidades, quinquilharias e objetos curiosos. Garrafas pet viram moinhos d’água, guarda-chuvas antigos, peça de decoração. Um cone de trânsito se transforma em vaso e bonecas, em uma espécie de cerca por onde circulam galinhas. Pode parecer um monte de coisas jogadas a esmo, mas há lógica naquele pseudo caos.
A prosa estava boa, mas era hora de seguir. Eu e mais um pequeno grupo subimos na van, mas a maioria dos corajosos encarou o desafio. Ao fim dos seis quilômetros, estávamos reunidos.
Todo santo ajuda, mas...
Cheia de energia, me empolguei em uma das descidas e por pouco não tomei um tombo daqueles. Consegui me equilibrar e aprendi a lição: para baixo todo santo ajuda, mas cautela nunca é demais.
O dia terminou em uma cervejaria bem diferente. A Container segue o modelo dos pubs ingleses não apenas em relação às luzes baixas e mesas altas, mas também na decoração caprichada. Tudo ali faz referência à cena musical britânica, com objetos de colecionador – como a guitarra autografada pelos membros do AC/DC.
Fui de Joke (R$ 8,50; 300 ml), uma pilsen inesquecível. Outra opção interessante é a Wembley, criada para a Copa do Mundo, que tem uma irmã gêmea na Windsor & Eton Brewery, na Inglaterra, chamada Maracanã, com blend de açaí e goiaba. Com disposição, faça o minitour entre os tonéis (visíveis de dentro do pub). Com sorte, você vai conseguir tomar um copinho direto da fonte. Ah, que delícia…
Esfomeados
Já sem bikes, saímos para jantar em outra cervejaria, a Blumenau, com cara de hamburgueria descolada. Os tonéis de produção ficam no fundo do salão de pé direito alto e bem iluminado. Comemos como se não houvesse amanhã (mas havia): bolinho de feijoada com geleia de pimenta (R$ 28) de entrada, filé de alcatra com pãozinho, farofa e vinagrete (R$ 58). Não pedi o hambúrguer (R$ 25), mas meus colegas pediram; estava belo.
Para acompanhar, Blumenau Capivara, a favorita de Fernando. Mas com moderação: ainda havia o último dia pela frente.
Dia 3: de Nova Rússia ao centro
O último dia foi o mais leve e com a paisagem mais bonita, cruzando o Parque Nacional do Itajaí. A saída foi do Recanto Paraíso do Miguel, por onde passa o Ribeirão Garcia, formando piscinas naturais e pequenas quedas d’água entre as pedras.
Embora o sol brilhasse forte naquela manhã, a água estava gelada. Ainda assim, houve quem entrasse na água antes de começar a pedalada. Preferi me refestelar nas pedras, me aquecendo sob o sol e ouvindo o relaxante som da água corrente.
Nesse dia, o grupo pedalou junto o tempo todo. Era domingo, e como o distrito de Nova Rússia, em Blumenau, tem muitos sítios, havia um movimento razoável pela estrada de terra. “Todos pedalam à direita”, avisou Dudu.
Com poucas subidas, a pedalada foi mais contemplativa e menos exigente, onde era possível observar o Ribeirão quase o tempo todo. No caminho, passamos por um ponto impressionante onde, há alguns anos, o curso d’água subiu e arrastou tudo pelo caminho. Uma gigantesca pedra caiu no leito e mudou a margem de lugar. A placa no local explica o impressionante episódio em detalhes.
A parada para o lanche foi numa ruazinha tranquila, mas já urbanizada. Ouvindo o movimento, dona Otacília saiu de casa e foi conversar com os ciclistas. “Se precisarem de banheiro, podem entrar.” Muitos aceitaram o convite, com alegria (e certo alívio).
Pneu furado
O trecho final da pedalada passa pela BR-470, que tem uma ótima ciclovia por onde se deslocam os moradores da região. E foi nesse trecho que furou o pneu do guia Dudu – o único acidente do tipo durante toda a viagem.
Pneu trocado, seguimos até o centro histórico de Blumenau, passando pelas casas de estilo enxaimel e o icônico prédio da prefeitura. Aos fins de semana, as ruas do centro ficam fechadas para carros, enchendo a região de crianças em suas próprias bicicletas. Pena, porém, é não haver sequer uma loja aberta por lá.
O almoço foi no restaurante Thapyoca, um self-service familiar à beira-rio, com um cardápio repleto de cervejas artesanais e muitos pratos típicos, como joelho de porco, chucrute e pato com molho de maçã. Antes de matar a fome, a despedida: era hora de dizer adeus às bikes, fiéis companheiras ao longo dos últimos dias.
Para fazer a digestão, ainda dá para passar no Museu da Cerveja, em frente. A entrada é grátis, e o acervo, composto por antigos barris, garrafas, pôsteres e maquinário, pertenceu à antiga Cervejaria Feldmann, de Blumenau. Fundada em 1898, ela produziu seu último lote em 1954. Os objetos se concentram em duas salas – ou seja, dá para visitar tudo rapidamente.
O que mais ver em Blumenau
1. Vila Germânica. Conhecida por ser o palco da Oktoberfest – este ano, de 4 a 22 de outubro –, a Vila Germânica fica aberta o ano todo. Embora turístico, o ambiente é bastante agradável, com boas opções de restaurante e uma ótima cervejaria, a Biervila, com 400 tipos de cerveja e chopes artesanais (a partir de R$ 9; 300 ml) e petiscos. A Eisenbahn montou ali sua bierhaus bem ao estilo germânico, com cervejas da marca e pratos saborosos. Aproveite também para comprar lembrancinhas, embutidos e, claro, tirar uma foto vestido a caráter.
2. Casas eixamel. A XV de Novembro é a principal rua do centro histórico, por onde desfilam carros alegóricos na Oktoberfest. A partir dela, dá para acessar os principais cartões-postais da cidade: a prefeitura, em estilo enxaimel, o castelinho da loja Havana e outras construções.
3. Museus. Próximos ao centro histórico, eles podem ser visitados rapidamente, em uma tarde. O da Família Colonial (Al. Duque de Caxias, 64) fica numa casa de 1864 e expõe pertences do Dr. Hermann Blumenau, fundador da cidade. O de Hábitos e Costumes (XV de Novembro, 25) abriga peças que retratam o cotidiano da sociedade local a partir do século 19.
4. Cemitério de gatos. Um ponto curioso de Blumenau é o Cemitério de Gatos, no Parque Edith Gaertner. Autoproclamado único no mundo, tem nove sepulturas dos mais de 50 gatos que viveram com Edith (1882-1967). Eles eram enterrados nos fundos de sua casa, hoje um museu.
Hospedagem e outras dicas práticas
Onde ficamos: Slaviero Essential
No início do ano passado, a rede Slaviero assumiu o antigo Hotel Rex, no centro de Blumenau, e fez uma reforma caprichada – ao todo, são 120 apartamentos. Com localização privilegiada, o hotel tem quartos novos e confortáveis, com TV a cabo, Wi-Fi e frigobar. O café da manhã é farto e saboroso, com bolos produzidos na própria cozinha, pães variados, pratos frios e quentes e sucos naturais. O atendimento se mostrou gentil e atencioso. A partir de R$ 258 a diária para dois em julho; slavierohoteis.com.br.
Segurança
Capacete é fundamental. A agência oferece a todos os ciclistas, mas, caso prefira, leve o seu. Óculos escuros esportivos protegem os olhos do sol e da poeira.
Na bagagem
Luvas de ciclista são importantes. Evitam os desconfortáveis calos e também que as mãos escorreguem por causa do suor. Roupas leves, com tecidos esportivos, permitem que a pele respire – há quem prefira mangas longas como proteção extra para o sol. No frio, vista-se em camadas – leve um casaco corta-vento, impermeável, e uma proteção para o pescoço.
Antes de pedalar
Reserve ao menos 15 minutos antes e depois da pedalada para alongar os músculos. Acredite: vai fazer diferença.
Acessórios
Uma bolsa pequena, que se acople na frente da bicicleta, deixa à mão itens como protetor solar, barras de cereais, repelente… Bermuda de ciclista ou proteção de assento de silicone deixam a pedalada mais confortável.